terça-feira, 14 de novembro de 2006

O Dia em que o Mundo Acabou...

De repente, abri os olhos e somente enxerguei escuridão...

Não vi nada, porque nada emitia luz que pudesse ser transformado em imagem... Meu cérebro assumiu que havia algo errado. E um súbito calor de medo fez minha espinha arrepiar...

Senti gotas de suor brotarem nas minhas têmporas, e acima de meu lábio superior... Medo...

Não. Medo não... Receio, incompreensão, estupefação... Era isso: eu estava estupefato! Essa palavra parecia transmitir a inquietação com o ver nada, o ouvir nada, o sentir... Sentir o quê...?!? Nada também?!

Levei alguns segundo para sentir que estava vivo e que não havia morrido sem saber e me encontrava em algum tipo de "além mundo", além da vida... A não ser que almas, fantasmas e espíritos pudessem sentir a ausência do "todo", de luz e sentir suor brotando.

Não que fosse impossível que o "além da vida" fosse tão semelhante com o "aquém da morte", mas apenas não parecia fazer sentido...

De repente, senti uma agulhada nos pulmões... Era o ar entrando... Doía, ou doeu, como se estivesse nascendo e respirando pela primeira vez... Foi um golfo de ar que parecia ter mil anos... Senti como se percebesse o caminho do ar desde minha boca até o ultimo alvéolo dos pulmões... E depois a volta do gás carbônico fugindo do meu corpo, como refugo expurgado de indústrias... E uma... E outras... Eu estava respirando... Não enxergava nada, mas suava, respirava... Estava vivo!

Um torpor como formigamento foi se formando ao meu redor, como uma energia de transporte de matéria num seriado de ficção científica... Aos poucos, me dei conta de meu corpo todo. Eu estava aparentemente deitado sobre alguma coisa... Não sei que superfície era, mas era sólido.

Ainda não conseguia me mover, mas sabia que estava vivo, respirando, suando, no escuro e formigando... E que algo abaixo de mim - ou seria acima de mim? - era sólido...

Por instantes, tentei pensar em onde eu poderia estar. Não consegui. Tentei me lembrar onde estava antes de acordar ali... Não consegui. Nenhum antes... Talvez algum depois... E um indefinido agora.

De repente, com numa corrente de vento, um zumbido pareceu ter lambido meu corpo e ele se formou ao meu redor, com o finar do formigamento. Eu sentia. E começava a esboçar movimentos. Parecia pesar mais do que sequer lembrava pesar... Ou isso ou a gravidade mudara... Tive a sensação de piscar, de abrir e apertar os olhos, mas continuava sem ver nada... Será que estava cego? Como saber? O problema era eu ou o universo ao meu redor?

Aos poucos, consegui me mover ao ponto de me encolher, me ajoelhar e, finalmente, levantar, aos poucos... Isso pareceu levar horas. Meu corpo tremia... Hora fraqueza muscular, hora um peso descomunal nas costas, como se estivesse dentro de uma grande panela de pressão, além da possibilidade humana...

E me fiz de pé... Senti meu corpo com as mãos. Ele estava lá. E vestido. De alguma forma. E não faltava nenhuma parte de mim, senão, talvez, a razão, a consciência do que estava acontecendo, ou do que tinha acontecido...

Engoli... Percebi que tinha boca, dentes, saliva... e tentei falar, gritar, emitir qualquer som... Isso levou outras tantas horas que não pude precisar... Ou teria sido um segundo? Não sei... Aos poucos vi que algo semelhante ao que eu me lembrava ser uma voz, saia de mim, apenas em grunhidos guturais disformes e sem sentido...

E lá estava eu, parado, de pé, tremendo e lutando para me manter assim, como se parecesse que quisessem me pressionar para o chão... Suava, tremia, formigava as vezes, mas me sentia vivo... Mas não via nada. Não sabia nada. Não tinha consciência do todo ao meu redor...

Se entendesse mais o que estava acontecendo, talvez tivesse medo... Mas aquilo estava além da compreensão do que eu poderia racionalizar... Aliás, entendi que precisava entender também o que era "eu"... Ou, em outras palavras, entender QUEM eu era...

Me sentia vivo, mas não entendia o que estava acontecendo, onde estava e onde estava tudo que normalmente se chama de "vida"... Não conseguia entender o que eu era. Ou quem.

De repente me vi humano, e descobri que era homem. Senti isso. Não que fizesse qualquer diferença ali, no meio do nada. Aliás, não era um "nada" porque tinha chão... Então resolvi desbravar as fronteiras do meu desconhecido... E num esforço além do humano consegui arrastar os pés, um após o outro, por alguns centímetros além de onde estava...

Temia poder cair, visto que não sabia onde estava... Mas sabia o que era cair e sabia que se caísse poderia acontecer algo... Me arrastei, pé ante pé, por horas, ou teriam sido dias? Não soube precisar... Então parei. Me movi para diferentes lados, supostamente, mas não sabia se onde eu estava existia "lados"...

Então, nervoso, resolvi sentar... Sentei. Esfreguei o que eu sabia serem meus olhos. Abri... Fechei... Nada...

Então fiquei... Esperei. Gritei. E de repente me vi chorando... Vi não. Senti. Estranhei. Mas não lutei contra. Apenas chorei... E senti que algo simplesmente havia acabado... Foi um sentimento que foi me tomando, como a dor de um milhão de mortes agonizantes... Um grito calado de milhões de bocas, sedentas de vida... E entendi que o mundo havia acabado... Meu mundo, fosse ele qual fosse, havia acabado...

Então, naquela escuridão petrificante, diante da absurda sensação de estar vivo, me encontrei esperando a morte... E ao fechar os olhos por talvez uma última vez, desejei não estar ali, não estar vivo, não estar morto... Apenas e simplesmente não estar...

E de repente senti que deixei de exist